domingo, 14 de agosto de 2011

Filho

Era todo o jeito da mãe. Fisicamente era idêntico à ele, a não ser pelo nariz e pela cor dos cabelos, mas não precisava de mais nada para lembrá-lo da falecida esposa toda vez que o via: era ruivo. Os mesmos cabelos que o conquistaram. A maioria pode achar natural, qual o homem que não sonha com uma ruiva? Mas para ele era mais do que o fetiche.
Típico gênio daqueles que quase nunca se vê, o ainda jovem viu na ruiva uma raridade, uma aberração, a aberração mais linda que já vira. Pensou na improbabilidade de seu nascimento e depois na ainda maior dela se interessar por ele; de rir de suas piadas; de ouvir o que falava; de lhe ceder seu amor.
Mas ela se fora, e deixara aquela criança. No começo doía olha-la, saber que se não fosse por ela, ainda estaria junto da ruiva que teimava em não entender as mais simples equações, que era incapaz de ligar um simples aparelho de som antes de ligar todos os outros da casa, daquela que lhe ensinou a lição mais importante de sua vida.
Com o tempo aprendera a amar o filho, mas desde sua perda voltara a ser o homem frio e sem vida das eras sombrias pré-ruiva. Certa vez, quando o menino ruivo lhe perguntou por que não conseguia ver as estrelas a noite (típica pergunta da ruiva, que raiva...), teve como resposta uma seca explicação da luminosidade da cidade e afins, mas o pai sabia que ele não entenderia, e não ligava.
A criança era forte como a mãe e suportava a frieza do pai e ele se aproveitava do fato: se permitia nunca lutar para mudar, para voltar a ser o que outrora fora junto da amada. Até que um dia o destino resolveu cobrar a conta de sua apatia. A criança acordou febril, trêmula, abatida, como o gênio nunca viu, como ele nunca esperou ver, como ele nunca considerara possível, como nunca achara que, sendo filho de quem era, seria possível ficar.
Então o desespero se apossou dele: a frieza calculista para resolver os mais complexos problemas se esvaíra. Correu para o hospital. Quando se deu conta, já estava cantando pneu na porta da emergência.
A criança ficou o dia inteiro em observação fazendo exames, e o pai ficara o dia inteiro em reflexão. Pensou na juventude de estudo, sem festas, sem graça e como a ruiva havia mudado tudo, lhe mostrado o que realmente importava e finalmente em como tudo tinha acabado. Sem aviso prévio. Sem chance. Sem volta.
Até que o gênio, tão fodástio, se tocou que tinha um filho, a junção daquela que mais amara e dele mesmo, sua imagem e semelhança. Como tinha sido egoísta, um perfeito babaca.
A esse ponto, só queria abraçá-lo.
A noite a criança foi liberada e recebeu o abraço que seu pai queria lhe dar - um abraço vacilante, porque hábitos não mudam do nada - mas um abraço libertador, um pedido de desculpas silencioso, que o menino recebera como se não o fosse preciso.
A caminho de casa, passando por um viaduto, o homem ouviu, do nada: -Pai, já sei onde estão as estrelas: elas caíram e estão no morro!
Nesse momento o gênio foi fuzilado por diversos pensamentos e sentimentos. Como aquela resposta era típica da ruiva! Como nunca tinha reparado como era bonita a cidade durante a noite, como o filho herdara a capacidade de sua mãe de despertar-lhe o melhor, como o amava.
Se emocionou, do seu jeito - digamos que chorou por dentro. Por fora, se resumiu a dar um sorriso gostoso como a tempos não dara e a responder: -É uma ótima teoria, meu filho.

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